Sami Storch (*) - Publicado em 05/04/2017
Foi intensa e tocante a vivência de constelações familiares da 2ª
Vara de Família de Itabuna realizada no dia 3/4/2017, para a qual foram
convidadas as partes envolvidas em 50 processos de divórcio, alimentos e
guarda.
Um dos momentos marcantes foi numa constelação onde o pai, que se
disse envolvido com alcoolismo, buscava uma forma de se reaproximar da filha,
tendo por isso uma ação pendente na Justiça. Ao colocarmos representantes para
o pai e a filha, esta imediatamente agarrou-se ao pai, abraçando-o com amor e
forte emoção, como quem tem medo de perdê-lo. Ambos choravam muito.
Revelou-se, aí, a dinâmica profunda de todo filho que tem subtraído
o direito à presença do pai em seu coração, por qualquer circunstância – e
muitas vezes por causa de julgamentos dos próprios familiares e da sociedade,
que fazem a criança acreditar que seu pai, assim como é, não é bom, não é
certo, não tem direito a pertencer e participar da sua vida.
Racionalmente, a criança acredita nisso, e ela mesma tende a
excluir o pai de seu coração, encontrando argumentos convincentes para isso.
Mas isso só ocorre superficialmente, no nível racional. Na realidade, para a
criança, nas profundezas de sua alma, não existe tal julgamento. Tudo o que ela
quer é tomar seus pais assim como são, exatamente assim, e dar-lhes no coração
o lugar que lhes é próprio.
Na alma do filho não existe “pai errado”; qualquer julgamento ou
exclusão tem consequências nocivas ao filho, que inconscientemente fará algo
que honre esse pai excluído, muitas vezes repetindo na vida justamente um
padrão pelo qual se deu a exclusão (tornando-se alcoólatra ou afastando-se do
próprio filho no futuro, por exemplo). É o seu pai. O único de onde recebeu a
vida, que está presente em cada célula do corpo do filho. Sem pai, sem filho.
Quanto mais se nega ao filho o direito de tomar o pai assim como é,
maior a força inconsciente que vincula os dois, tornando-os iguais. Quando a
filha abraçou com firmeza o seu pai, tudo isso ficou claro e todos os
julgamentos perderam o sentido. A filha quer o pai, o seu pai. Simples assim.
Quando incluímos na constelação uma representante para a mãe, esta
imediatamente tentou puxar a filha e afastá-la do pai. Por mais que tentasse
fazê-lo, a filha se agarrava ao pai e não admitia tal separação. Ela disse que queria ficar com os dois, e
assim ficaram por algum tempo.
Depois, incluímos também uma representante para o alcoolismo, e foi
então que ficou claro que este não dizia respeito somente ao pai, mas também à
mãe – possivelmente por meio de alguém de sua família de origem. De alguma
forma, tratava-se de um destino de ambos. A representante do alcoolismo se
sentia muito forte. Os três – pai, mãe e filha – evitavam olhar, mas acabaram
olhando para o alcoolismo com temor, e reconheceram que ele representava algo
muito grande, que incluía uma imensa dor por conta de fatos ocorridos no
passado (talvez na geração dos avós, bisavós ou antes disso), envolvendo
inclusive mortes trágicas.*
Os membros do sistema familiar, quando não conseguem olhar para tal
realidade, continuam carregando-a consigo, inconscientemente, e sentem o peso
disso em sua vida. O alcoolismo é uma forma que as pessoas encontram de suportar
tamanha dor e sobreviver, anestesiando-se. Todos – os representantes, os
representados e os que assistiam – ficaram bastante emocionados com essa
imagem.
Itabuna 03042017 - foto6
Representantes de pai, mãe e filha se abraçam durante constelação
realizada pela 2ª Vara de Família de Itabuna, no Salão do Juri da comarca
Depois de olharem para o alcoolismo e tudo aquilo que estava por
trás dele, o pai, a mãe e a filha quiseram se afastar e, colocando-se de costas
para o passado e de frente para o futuro, sentiram alívio. Estavam todos
juntos. O pai abraçava a filha e a mãe, e esta já não tentava afastar a filha
do pai.
* Não sabemos detalhes, nem foi perguntado às partes a respeito. O
importante é o essencial e o significado que isso tem para cada um.
xxxxxxxxx
Minha gratidão a Bert Hellinger, autor das constelações familiares,
por descobrir e ensinar as leis sistêmicas dos relacionamentos que agora podem
ser vistas e compreendidas pelas pessoas que procuram a Justiça em busca de
solução para suas questões.
Em 2017, o projeto da 2ª Vara de Família da Comarca de Itabuna
inclui um (ou mais) evento de constelações por mês e visa atender todas as
ações de divórcio, alimentos e guarda que derem entrada na Vara, objetivando
uma nova dinâmica nas relações familiares, com soluções mais rápidas,
harmônicas e duradouras. Além disso, realizaremos também eventos de menor porte
(reunindo somente as partes envolvidas em um ou uns poucos processos) com temas
mais específicos como guarda de filhos, inventários e interdições, conforme a
necessidade.
(*) - Juiz de Direito no
Estado da Bahia, atualmente em exercício na Comarca de Itabuna. Graduado na
Faculdade de Direito da USP, Mestrado em Administração Pública e Governo
(EAESP-FGV/SP) e Doutorando em Direito na PUC-SP, com tese em desenvolvimento
sobre o tema "Direito Sistêmico: a resolução de conflitos por meio da
abordagem sistêmica fenomenológica das constelações familiares".