sábado, 8 de abril de 2017

PAI ALCOÓLATRA: SE É O PAI, É ELE MESMO QUE O FILHO QUER.



Sami Storch (*)  - Publicado em 05/04/2017
Foi intensa e tocante a vivência de constelações familiares da 2ª Vara de Família de Itabuna realizada no dia 3/4/2017, para a qual foram convidadas as partes envolvidas em 50 processos de divórcio, alimentos e guarda.
Um dos momentos marcantes foi numa constelação onde o pai, que se disse envolvido com alcoolismo, buscava uma forma de se reaproximar da filha, tendo por isso uma ação pendente na Justiça. Ao colocarmos representantes para o pai e a filha, esta imediatamente agarrou-se ao pai, abraçando-o com amor e forte emoção, como quem tem medo de perdê-lo. Ambos choravam muito.
Revelou-se, aí, a dinâmica profunda de todo filho que tem subtraído o direito à presença do pai em seu coração, por qualquer circunstância – e muitas vezes por causa de julgamentos dos próprios familiares e da sociedade, que fazem a criança acreditar que seu pai, assim como é, não é bom, não é certo, não tem direito a pertencer e participar da sua vida.
Racionalmente, a criança acredita nisso, e ela mesma tende a excluir o pai de seu coração, encontrando argumentos convincentes para isso. Mas isso só ocorre superficialmente, no nível racional. Na realidade, para a criança, nas profundezas de sua alma, não existe tal julgamento. Tudo o que ela quer é tomar seus pais assim como são, exatamente assim, e dar-lhes no coração o lugar que lhes é próprio.
Na alma do filho não existe “pai errado”; qualquer julgamento ou exclusão tem consequências nocivas ao filho, que inconscientemente fará algo que honre esse pai excluído, muitas vezes repetindo na vida justamente um padrão pelo qual se deu a exclusão (tornando-se alcoólatra ou afastando-se do próprio filho no futuro, por exemplo). É o seu pai. O único de onde recebeu a vida, que está presente em cada célula do corpo do filho. Sem pai, sem filho.
Quanto mais se nega ao filho o direito de tomar o pai assim como é, maior a força inconsciente que vincula os dois, tornando-os iguais. Quando a filha abraçou com firmeza o seu pai, tudo isso ficou claro e todos os julgamentos perderam o sentido. A filha quer o pai, o seu pai. Simples assim.
Quando incluímos na constelação uma representante para a mãe, esta imediatamente tentou puxar a filha e afastá-la do pai. Por mais que tentasse fazê-lo, a filha se agarrava ao pai e não admitia tal separação.  Ela disse que queria ficar com os dois, e assim ficaram por algum tempo.
Depois, incluímos também uma representante para o alcoolismo, e foi então que ficou claro que este não dizia respeito somente ao pai, mas também à mãe – possivelmente por meio de alguém de sua família de origem. De alguma forma, tratava-se de um destino de ambos. A representante do alcoolismo se sentia muito forte. Os três – pai, mãe e filha – evitavam olhar, mas acabaram olhando para o alcoolismo com temor, e reconheceram que ele representava algo muito grande, que incluía uma imensa dor por conta de fatos ocorridos no passado (talvez na geração dos avós, bisavós ou antes disso), envolvendo inclusive mortes trágicas.*
Os membros do sistema familiar, quando não conseguem olhar para tal realidade, continuam carregando-a consigo, inconscientemente, e sentem o peso disso em sua vida. O alcoolismo é uma forma que as pessoas encontram de suportar tamanha dor e sobreviver, anestesiando-se. Todos – os representantes, os representados e os que assistiam – ficaram bastante emocionados com essa imagem.
Itabuna 03042017 - foto6
Representantes de pai, mãe e filha se abraçam durante constelação realizada pela 2ª Vara de Família de Itabuna, no Salão do Juri da comarca
Depois de olharem para o alcoolismo e tudo aquilo que estava por trás dele, o pai, a mãe e a filha quiseram se afastar e, colocando-se de costas para o passado e de frente para o futuro, sentiram alívio. Estavam todos juntos. O pai abraçava a filha e a mãe, e esta já não tentava afastar a filha do pai.
* Não sabemos detalhes, nem foi perguntado às partes a respeito. O importante é o essencial e o significado que isso tem para cada um.
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Minha gratidão a Bert Hellinger, autor das constelações familiares, por descobrir e ensinar as leis sistêmicas dos relacionamentos que agora podem ser vistas e compreendidas pelas pessoas que procuram a Justiça em busca de solução para suas questões.
Em 2017, o projeto da 2ª Vara de Família da Comarca de Itabuna inclui um (ou mais) evento de constelações por mês e visa atender todas as ações de divórcio, alimentos e guarda que derem entrada na Vara, objetivando uma nova dinâmica nas relações familiares, com soluções mais rápidas, harmônicas e duradouras. Além disso, realizaremos também eventos de menor porte (reunindo somente as partes envolvidas em um ou uns poucos processos) com temas mais específicos como guarda de filhos, inventários e interdições, conforme a necessidade.

(*) - Juiz de Direito no Estado da Bahia, atualmente em exercício na Comarca de Itabuna. Graduado na Faculdade de Direito da USP, Mestrado em Administração Pública e Governo (EAESP-FGV/SP) e Doutorando em Direito na PUC-SP, com tese em desenvolvimento sobre o tema "Direito Sistêmico: a resolução de conflitos por meio da abordagem sistêmica fenomenológica das constelações familiares".

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