sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

VÍNCULO E LIBERAÇÃO



Jakob Robert Schneider (*)
Basicamente, as constelações procuram responder a duas perguntas. A primeira é: “O que enreda nas famílias umas pessoas no destino de outras e o que as libera de tal enredamento?” A segunda: “Como pode o amor ser bem sucedido?” Estas perguntas se desdobram de várias maneiras no trabalho com as constelações. Em nossos relacionamentos e, portanto, em nossa alma, estamos profundamente ligados a outras pessoas, principalmente nas trocas importantes em nossa vida, entre o dar e o receber. Acontecimentos passados, mesmo remotos no espaço e no tempo, continuam produzindo seus efeitos em nossa alma, em nossas vivências e sentimentos, em nosso pensamento e ação, estejamos ou não conscientes deles. Todos  sabemos disso, e esse conhecimento acompanha as pessoas, como o atestam seus testemunhos escritos.
O que nos prende uns aos outros? O que sucede quando queremos desprender-nos desses vínculos, se isso realmente é possível? De que maneira eles nos conduzem? Como nos ajudam ou nos prejudicam? Quando nos prejudicam, somos realmente capazes de desprender-nos? De que maneira? O que nos liga aos mortos e o que nos desprende deles? O que nos prende a uma velha dor, a uma culpa antiga, a um velho pavor, não só de nossas vivências pessoais, mas também de outras pessoas que amamos e às quais pertencemos? Como podemos livrar-nos de necessidades antigas e da compulsão de repetir coisas dolorosas, que invadem nossas novas situações de vida com eventos passados que ainda precisamos dominar?
O que importa nas constelações familiares é a superação de traumas, não apenas daqueles que resultaram de experiências pessoais, mas principalmente de traumas de outras pessoas a que nos ligamos pela compaixão, por um amor muitas vezes cego e por um cego desejo de uma compensação, deslocada no tempo e no espaço. O tema das constelações são o amor e suas consequências: o masculino e o feminino, a relação entre pais e filhos, o fluxo da vida e do amor entre as gerações e os fatores que o inibem. Nas constelações encaramos a vida e a morte, os acontecimentos funestos e  terríveis que irrompem em nossa vida, a justiça, a culpa e a expiação, as vítimas e os perpetradores, os bons e os maus, a verdade e a mentira, o segredo e as confidências imprudentes, o ódio e a reconciliação, a retribuição no mal e no bem. O que está aí em jogo é a união e a solidão, o retrospecto e a perspectiva, o contentamento e a felicidade, o medo, a depressão e o desespero.
Contemplamos tudo aquilo que constitui nossa vida interior em face dos acontecimentos de peso em nossa vida. Procuramos ver o que nos ameaça e o que de algum modo nos impede de realizar nossa vida. Procuramos ver o que nos toma um pouco mais livres de problemas para o futuro. As constelações giram sobre o que nos vincula, como destino ou sorte acidental, e sobre o que deriva de nossa responsabilidade, seja como for que possamos ser livres. O que nos é determinado na vida? Como podemos deixar para trás coisas passadas que se imiscuem entre nós e o nosso futuro, para que o passado não desfigure nosso olhar para o futuro, mas antes o sustente? Que “leis” atuam pelo destino e que “ordens” contribuem para o sucesso do amor? Como podemos chegar a um bom termo entre as forças que vinculam nossa alma e nossa mente e as forças que as liberam? Todas estas perguntas comparecem nas constelações, encaixadas em contextos sistêmicos.
 As respostas não são buscadas no nível pessoal e autônomo do indivíduo, mas no contexto das relações familiares e sociais e dos eventos que as influenciam. Naturalmente, sempre se trata do amor. Apesar de toda a funcionalidade da reprodução e do crescimento, das condições biológicas, das leis físicas e de outras normas imanentes aos sistemas, apesar de tudo o que assegura ao nosso corpo e ao nosso cérebro a sobrevivência e a transmissão dos genes, o amor é a qualidade básica da vida humana e do que chamamos de “alma”.
AMOR DE VÍNCULO E EMARANHAMENTO
Em virtude de nossa geração e de nosso nascimento, e pela necessidade que temos dos grupos para sobreviver e crescer, somos reciprocamente ligados nesses grupos, de um modo profundo e geralmente inconsciente. A força anímica que, precedendo qualquer amor pessoal, mantém unidos os grupos para gerar, sustentar e desenvolver a vida, é o amor de vínculo. Esse amor é uma força que provê a consciência moral, que está a serviço da sobrevivência do grupo e da transmissão e do desenvolvimento da vida, sem que precisemos pensar a respeito e planejar algo com essa finalidade. A energia e os efeitos desse amor de vínculo podem ser sentidos - muitas vezes, de uma forma impressionante - nas constelações familiares, nos processos em que há um emaranhamento.
Está envolvido, ou enredado, aquele que, sem o querer ou mesmo perceber, revive compulsoriamente o destino de outras pessoas em sua família ou em seu grupo, ou direciona cegamente a própria vida, em domínios essenciais, para identificar-se com destinos alheios. O amor de vínculo, que encara o indivíduo apenas em sua função para a sobrevivência do grupo, entra num duplo conflito: de um lado, com o instinto individual de autopreservação, pelo qual um grupo se mantém e se reproduz às custas do egoísmo individual; e, de outro lado, com a simpatia com que os membros individuais do grupo se percebem e inter-relacionam, como pessoas que amam. As forças do vínculo, conscientes ou inconscientes, atuam sobre nossa consciência. O conhecimento da forma de atuação dessas forças, comandadas pelo destino, é imprescindível para a compreensão e para a prática das constelações familiares.
 A descoberta e a descrição, recentes e atuais, desses processos de vínculo e emaranhamento anímico através da consciência constituem, talvez, juntamente com os caminhos de solução reconciliadores e integradores, o principal mérito de Bert Hellinger.
(*)Jakob Robert Schneider - Diplomado em Filosofia, Teologia, Educação Física e Pedagogia. Trabalha com aconselhamento individual e de casais e com terapia de grupo.  Membro do IAG, comunidade internacional para o desenvolvimento do trabalho sistêmico nos moldes de Bert Hellinger.


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