Artigo escrito por Sami Storch (*) Publicado em 29/11/2010
A expressão “direito sistêmico”,
no contexto aqui abordado, surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada
nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das
constelações familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo
alemão Bert Hellinger.
Venho me dedicando ao estudo
desse assunto desde o ano de 2004, quando tive meu primeiro contato com a
terapia das constelações familiares e percebi que, além de ser uma terapia
altamente eficaz na solução de questões pessoais, o conhecimento dessa ciência
tem um potencial imenso para utilização na área jurídica, na qual tenho
formação acadêmica e profissional.
Isso porque, na prática, mesmo
tendo as leis positivadas como referência, as pessoas nem sempre se guiam por
elas em suas relações. Os conflitos entre grupos, pessoas ou internamente em
cada indivíduo são provocados em geral por causas mais profundas do que um mero
desentendimento pontual, e os autos de um processo judicial dificilmente
refletem essa realidade complexa. Nesses casos, uma solução simplista imposta
por uma lei ou por uma sentença judicial pode até trazer algum alívio
momentâneo, uma trégua na relação conflituosa, mas às vezes não é capaz de
solucionar verdadeiramente a questão, de trazer paz às pessoas.
O direito sistêmico se propõe a
encontrar a verdadeira solução. Essa solução não poderá ser nunca para apenas
uma das partes. Ela sempre precisará abranger todo o sistema envolvido no
conflito, porque na esfera judicial – e às vezes também fora dela – basta uma
pessoa querer para que duas ou mais tenham que brigar. Se uma das partes não
está bem, todos os que com ela se relacionam poderão sofrer as conseqüências
disso.
Exemplifico: Uma pessoa
atormentada por motivos de origem familiar pode desenvolver uma psicose,
tornar-se violenta e agredir outras pessoas. Quem tem a ver com isso? Todos.
Toda a sociedade. Adianta simplesmente encarcerar esse indivíduo problemático,
ou mesmo matá-lo (como defendem alguns)? Não. Se ele tiver filhos que, com as
mesmas raízes familiares, apresentem os mesmos transtornos, o problema social
persistirá.
A solução sistêmica, nesse caso,
deve ter em vista a origem familiar do indivíduo. Não haverá real solução de
outra forma.
Numa ação de divórcio, a solução
jurídica relativa aos filhos menores pode ser simplesmente definir qual dos
pais ficará com a guarda, como será o regime de visitas e qual será o valor da
pensão. É o que usualmente se faz. Mas de nada adiantará uma decisão judicial
imposta se os pais continuarem se atacando. Independentemente do valor da
pensão ou de quem será o guardião, os filhos crescerão como se eles mesmos
fossem os alvos dos ataques de ambos os pais.
Uma ofensa do pai contra a mãe,
ou da mãe contra o pai, são sentidas pelos filhos como se estes fossem as
vítimas dos ataques, mesmo que não se dêem conta disso. Isso porque
sistemicamente os filhos são profundamente vinculados a ambos os pais biológicos.
São constituídos por eles, por meio deles receberam a vida.
O filho não existe sem o pai ou
sem a mãe e, seja qual for o destino que os filhos construírem para si, será
uma sequência da história dos pais.
Por isso é que, mesmo que o filho
manifeste uma rejeição ao pai – porque este abandonou a família ou porque não
paga pensão, por exemplo – toda essa rejeição se volta contra ele mesmo,
inconscientemente. Qualquer ofensa ou julgamento de um dos pais contra o outro
alimenta essa dinâmica, prejudicial sobretudo aos filhos. O mesmo ocorre quando
o juiz toma o partido de um dos pais contra o outro, reforçando o conflito
interno na criança.
A solução sistêmica, para ser
verdadeira, precisará primeiramente excluir os filhos de qualquer conflito
existente entre os pais, para que os filhos possam sentir a presença harmônica
do pai e da mãe em suas vidas.
O juiz, por sua vez, antes de
decidir, deve considerar essa realidade e ter em seu coração as crianças e
ambos os pais, além de outras pessoas eventualmente envolvidas, sem julgamentos
de qualquer tipo. Com tal postura, por si só, o juiz já estará facilitando uma
conciliação entre as partes (que constituem um só sistema). E, caso se faça
necessária uma solução imposta, esta será mais bem recebida por todos, pois
todos sentirão que foram vistos e considerados pelo juiz.
Que fique bem claro: isso não
impede que o pai e a mãe discutam as questões necessárias, judicialmente ou
não, desde que isso se dê entre eles, sem o envolvimento dos filhos, nem que o
juiz decida as demandas que lhe forem postas.
A
abordagem sistêmica do direito, portanto, propõe a aplicação prática da ciência
jurídica com um viés terapêutico – desde a etapa de elaboração das leis até a
sua aplicação nos casos concretos. A proposta, aqui, é utilizar as leis e o
direito como mecanismo de tratamento das questões geradoras de conflito,
visando à saúde do sistema “doente”, como um todo.
(*)- Sobre Sami Storch
Juiz de Direito no Estado da
Bahia, atualmente em exercício nas Comarcas de Amargosa e Lauro de Freitas.
Graduei-me na Faculdade de Direito da USP, cursei Mestrado em Administração
Pública e Governo (EAESP-FGV/SP) e diversos cursos de formação e treinamentos
em Constelações Sistêmicas Familiares e Organizacionais segundo Bert Hellinger.
Meu foco é a aplicação prática, no exercício das atividades judicantes, dos
conhecimentos e técnicas das constelações familiares. O objetivo é utilizar a
força do cargo de juiz para auxiliar na busca de soluções que não apenas
terminem o processo judicial, mas que realmente resolvam os conflitos, trazendo
paz ao sistema.
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