Escrito por Bert Hellinger - Uma síntese ampliada - (Maio, 2003)
Fonte: Home-page de Bert Hellinger: www.hellinger.com
Tradução: Newton A. Queiroz- Setembro de 2003
Advertência do tradutor : Acho necessário dar um breve
esclarecimento prévio sobre os dois vocábulos-chave do presente texto.
1. Ajuda, ajudante
O título original do artigo é Die
Ordnungen des Helfens, literalmente: As Ordens do Ajudar, que prefiro traduzir
por As Ordens da Ajuda, por ser mais consoante com nosso uso. Assim, deve-se
entender por ajuda, no presente texto, principalmente a maneira de ajudar e a
atitude de quem presta ajuda. Quem presta ajuda – no mais das vezes,
profissionalmente – é o que Hellinger denomina “der Helfer”, e que traduzimos
literalmente, na falta de termo melhor, por “o ajudante”. Nesta categoria estão
compreendidos principalmente os que profissionalmente prestam assistência a
outras pessoas (o médico, o terapeuta, o assistente social, o sacerdote...),
como também aqueles que o fazem voluntariamente, em caráter não profissional.
2. Ordens
As “ordens”, no sentido típico de
Bert Hellinger, são as leis, princípios ou ordenações básicas preestabelecidas,
que devem presidir nossos comportamentos. Assim, as "ordens do amor” são
as leis que devem presidir nossos relacionamentos, para que o amor seja bem
sucedido, e cujo desconhecimento ou desrespeito pode ocasionar conseqüências
funestas.
No presente texto, Bert Hellinger
fala das ordens que devem presidir toda iniciativa de levar ajuda ao próximo e,
de modo especial, a ação com objetivo ou efeito terapêutico.
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A ajuda é uma
arte. Como toda arte, envolve uma capacidade que pode ser aprendida e
praticada. E envolve empatia em relação ao objeto, a saber, a compreensão do
que corresponde a esse objeto e, simultaneamente, daquilo que o eleva, por
assim dizer, acima de si mesmo, em algo mais abrangente.
Ajuda como compensação
Nós, seres humanos, dependemos,
sob todos os aspectos, da ajuda dos outros, como condição de nosso
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, precisamos também de ajudar outras pessoas.
Aquele de quem não se necessita, aquele que não pode ajudar outros, fica só e
se atrofia. O ato de ajudar serve, portanto, não apenas aos outros, mas também
a nós mesmos. Via de regra, a ajuda é um processo recíproco, por exemplo, entre
parceiros. Ela se ordena pela necessidade de compensar. Quem recebeu de outros
o que deseja e precisa, também quer dar algo, por sua vez, compensando a ajuda.
Muitas vezes, a compensação que
podemos fazer através da retribuição é limitada. Isso ocorre, por exemplo, em
relação a nossos pais. O que eles nos deram é excessivamente grande, para que o
possamos compensar dando-lhes algo em troca. Só nos resta, em relação a eles, o
reconhecimento pelo que nos deram e o agradecimento que vem do coração. A
compensação pela doação, com o alívio que dela resulta, só se consegue, nesse
caso, repassando essa dádiva a outras pessoas: por exemplo, aos próprios
filhos.
Portanto, o
processo de tomar e de dar se processa em dois diferentes patamares. O
primeiro, que ocorre entre pessoas equiparadas, permanece no mesmo nível e
exige reciprocidade. O outro, entre pais e filhos, ou entre pessoas em condição
superior e pessoas necessitadas, envolve um desnível. Tomar e dar se assemelham
aqui a um rio, que leva adiante o que recebe em si. Essa forma de tomar e dar é
maior, e tem em vista também o que virá depois. Nesse modo de ajudar, o que foi
doado se expande. Aquele que ajuda é tomado e ligado a uma realização maior,
mais rica e mais duradoura.
Esse tipo de
ajuda pressupõe que nós próprios tenhamos primeiro recebido e tomado. Pois só
então sentimos a necessidade e temos a força para ajudar a outros,
especialmente quando essa ajuda exige muito de nós. Ao mesmo tempo, ela parte
do pressuposto de que as pessoas a quem queremos ajudar também necessitam e
desejam o que podemos e queremos dar a elas. Caso contrário, nossa ajuda se
perde no vazio. Então ela separa, ao invés de unir.
A PRIMEIRA ORDEM DA AJUDA
A primeira
ordem da ajuda consiste, portanto, em dar apenas o que temos, e em esperar e
tomar somente aquilo de que necessitamos. A primeira desordem da ajuda começa
quando uma pessoa quer dar o que não tem, e a outra quer tomar algo de que não
precisa; ou quando uma espera e exige da outra algo que ela não pode dar,
porque não tem. Há desordem também quando uma pessoa não tem o direito de dar
algo, porque com isso tiraria da outra pessoa algo que somente ela pode ou deve
carregar, ou que somente ela tem a capacidade e o direito de fazer. Assim, o dar
e o tomar estão sujeitos a limites, e pertence à arte da ajuda percebê-los e
respeitá-los.
Essa ajuda é
humilde, e muitas vezes, em face da expectativa e da dor, ela renuncia a agir.
O trabalho com as constelações familiares coloca diante de nossos olhos o que
deve exigir quem ajuda, tanto de si mesmo quanto da pessoa que busca ajuda.
Essa humildade e essa renúncia contradizem muitas concepções usuais sobre a
correta maneira de ajudar, e freqüentemente expõem o ajudante a graves
acusações e ataques.
A SEGUNDA ORDEM DA AJUDA
A ajuda está a
serviço da sobrevivência, por um lado, e da evolução e do crescimento, por
outro. Todavia, a sobrevivência, a evolução e o crescimento também dependem de
circunstâncias especiais, tanto externas quanto internas. Muitas circunstâncias
externas são preestabelecidas e não são modificáveis: por exemplo, uma doença
hereditária, as conseqüências de acontecimentos ou de uma culpa. Quando a ajuda
deixa de considerar as circunstâncias externas ou se recusa a admiti-las, ela
se condena ao fracasso. Isto vale, com maior razão, para as circunstâncias
internas. Elas incluem a missão pessoal particular, o envolvimento nos destinos
de outros membros da família, e o amor cego que, sob o influxo da consciência,
permanece vinculado ao pensamento mágico. O que isso significa em casos
particulares eu expus exaustivamente em meu livro “ Ordens do Amor”, no
capítulo “Do céu que faz adoecer, e da terra que cura”.
Para muitos
ajudantes, o destino da outra pessoa pode parecer difícil, e gostariam de
modificá-lo; não, porém, muitas vezes, porque o outro o necessite ou deseje,
mas porque os próprios ajudantes dificilmente suportam esse destino. E quando o
outro, não obstante, se deixa ajudar por eles, não é tanto porque precise
disso, mas porque deseja ajudar o ajudante. Então, quem ajuda realmente está
tomando, e quem recebe a ajuda se transforma em doador.
A segunda
ordem da ajuda é, portanto, que ela se amolde às circunstancias e só intervenha
com apoio na medida em que elas o permitem. Essa ajuda mantém reserva e possui
força. Há desordem da ajuda, neste caso, quando o ajudante nega as
circunstâncias ou as encobre, ao invés de encará-las, juntamente com a pessoa
que busca a ajuda. Querer ajudar contra as circunstâncias enfraquece tanto o
ajudante quanto a pessoa que espera ajuda ou a quem ela é oferecida ou mesmo
imposta.
O PROTÓTIPO DA AJUDA
O protótipo da
ajuda é a relação entre pais e filhos e, principalmente, a relação entre a mãe
e o filho. Os pais dão, os filhos tomam. Os pais são grandes, superiores e
ricos, ao passo que os filhos são pequenos, necessitados e pobres. Contudo,
porque os pais e os filhos são ligados entre si por um profundo amor, o dar e o
tomar entre eles pode ser quase ilimitado. Os filhos podem esperar quase tudo
de seus pais. E os pais estão dispostos a dar quase tudo a seus filhos. Na
relação entre pais e filhos, as expectativas dos filhos e a disposição dos pais
para atendê-las são necessárias; portanto, estão em ordem.
Contudo, elas
só estão em ordem enquanto os filhos ainda são pequenos. Com o avançar da
idade, os pais vão impondo aos filhos, em escala crescente, limites com os
quais eles eventualmente se atritam e podem amadurecer. Estarão sendo os pais,
nesse caso, menos bondosos para com seus filhos? Seriam pais melhores se não
colocassem limites? Ou, pelo contrário, eles se manifestam como bons pais
justamente ao exigirem de seus filhos algo que também os prepara para uma vida
de adultos? Muitos filhos ficam então com raiva de seus pais, porque preferem
manter a dependência original. Contudo, justamente porque os pais se retraem e
desiludem essas expectativas, eles ajudam seus filhos a se livrarem dessa
dependência e, passo a passo, a agirem por própria responsabilidade. Só assim
os filhos tomam o seu lugar no mundo dos adultos e se transformam de tomadores
em doadores.
A TERCEIRA ORDEM DA AJUDA
Muitos
ajudantes, por exemplo, na psicoterapia e no trabalho social, acham que
precisam ajudar os que lhes pedem ajuda, da mesma forma como os pais ajudam
seus filhos pequenos. Inversamente, muitos que buscam ajuda esperam que os
ajudantes se dediquem a eles como os pais se dedicam a seus filhos, no intuito
de receber deles, tardiamente, o que esperam e exigem dos próprios pais.
O que acontece
quando os ajudantes correspondem a essas expectativas? Eles se envolvem numa
longa relação. Aonde leva essa relação? Os ajudantes ficam na mesma situação
dos pais, em cujo lugar se colocaram com essa vontade de ajudar.
Passo a passo,
eles precisam impor limites aos que buscam ajuda, decepcionando-os. Então estes
desenvolvem freqüentemente, em relação aos ajudantes, os mesmos sentimentos que
tinham antes em relação a seus pais. Assim, os ajudantes que se colocaram no lugar
dos pais, querendo mesmo, talvez, ser pais melhores, tornam-se, para os
clientes, iguais aos pais deles. Porém muitos ajudantes permanecem presos na
transferência e na contratransferência da relação entre filho e pais. Com isso,
dificultam ao cliente a despedida, tanto de seus pais quanto dos próprios
ajudantes. Ao mesmo tempo, uma relação segundo o modelo da transferência entre
pais e filhos impede também o desenvolvimento pessoal e o amadurecimento do
ajudante.
VOU ILUSTRAR ISSO COM UM EXEMPLO:
Quando um
homem jovem se casa com uma mulher mais velha, ocorre a muitos a imagem de que
ele procura um substitutivo para sua mãe. E o que procura ela? Um substitutivo
para seu pai. Inversamente, quando um homem mais velho se casa com uma moça
mais jovem, muitos dizem que ela procurou um pai. E ele? Procurou uma
substituta para sua mãe. Assim, por estranho que soe, quem se obstina por muito
tempo numa posição superior e mesmo a procura e quer manter, recusa-se a
assumir seu lugar entre adultos equiparados.
Existem,
porém, situações, em que convém que, por algum tempo, o ajudante represente os
pais: por exemplo, quando um movimento amoroso precocemente interrompido
precisa ser levado a seu termo. Contudo, diferentemente da transferência da
relação entre pais e filhos, o ajudante apenas representa aqui os pais reais.
Ele não se coloca em lugar deles, como se fosse uma mãe melhor ou um pai
melhor. Por esta razão, também não é preciso que o cliente se desprenda do
ajudante, pois este o leva a afastar-se dele e a voltar-se para os próprios
pais. Então o ajudante e cliente se liberam mutuamente.
Mediante a
adoção desse padrão de sintonia com os pais verdadeiros, o ajudante frustra,
desde o início, a transferência da relação entre os pais e o filho. Pois,
quando respeita em seu coração os pais do cliente, e fica em sintonia com esses
pais e seus destinos, o cliente encontra nele os seus pais, dos quais já não
pode esquivar-se. A mesma coisa vale quando o ajudante precisa lidar com
crianças ou deficientes físicos. Na medida em que ele apenas representa os
pais, e não se coloca em seu lugar, os clientes podem sentir-se em segurança
com ele.
A terceira
ordem da ajuda seria, portanto, que, diante de um adulto que procura ajuda, o
ajudante se coloque igualmente como um adulto. Com isso, ele recusa as
tentativas do cliente para fazê-lo assumir o papel dos pais. É compreensível
que essa atitude do ajudante seja sentida e criticada, por muitas pessoas, como
dureza. Paradoxalmente, essa “dureza” é criticada por muitos como arrogância.
Quem olha bem, vê que a arrogância consistiria antes no envolvimento do
ajudante numa transferência da relação entre pais e filho.
A desordem da
ajuda consiste aqui em permitir a um adulto que faça ao ajudante as exigências
de um filho a seus pais, para que o trate como criança e o poupe de algo pelo
qual somente o cliente pode e deve carregar a responsabilidade e as
conseqüências. É o reconhecimento dessa terceira ordem da ajuda que constitui a
mais profunda diferença entre o trabalho das constelações familiares e
psicoterapia habitual.
A QUARTA ORDEM DA AJUDA
Sob a
influência da psicoterapia clássica, muitos ajudantes freqüentemente encaram
seu cliente como um indivíduo isolado. Com isso, também se expõem facilmente ao
risco de assumirem a transferência da relação entre pais e filho. Contudo, o
indivíduo é parte de uma família. Somente quando o ajudante o percebe assim é
que ele percebe de quem o cliente precisa, e a quem ele possivelmente está
devendo algo.
O ajudante
realmente percebe o cliente a partir do momento em que o vê junto com seus pais
e antepassados, e talvez também junto com seu parceiro e com seus filhos. Então
ele percebe quem, nessa família, precisa principalmente de sua atenção e de sua
ajuda, e a quem o cliente precisa dirigir-se para reconhecer os passos
decisivos e levá-los a termo. Isto significa que a empatia do ajudante precisa
ser menos pessoal e – principalmente - mais sistêmica. Ele não se envolve num
relacionamento pessoal com o cliente. Esta é a quarta ordem da ajuda.
A desordem da
ajuda, neste caso, consistiria em não contemplar nem honrar outras pessoas
essenciais, que teriam em suas mãos, por assim dizer, a chave da solução.
Incluem-se entre elas, sobretudo, aquelas que foram excluídas da família, por
exemplo, porque os outros se envergonharam delas.
Também aqui é
grande o perigo de que essa empatia sistêmica seja sentida como dureza pelo
cliente, sobretudo por aqueles que fazem reivindicações infantis ao ajudante.
Pelo contrário, aquele que busca a solução, de maneira adulta, sente esse
enfoque sistêmico como uma liberação e uma fonte de força.
A QUINTA ORDEM DA AJUDA
O trabalho da
constelação familiar aproxima o que antes estava separado. Nesse sentido, ele
está a serviço da reconciliação, sobretudo com os pais. O que impede essa
reconciliação é a distinção entre bons e maus membros da família, tal como é
feita por muitos ajudantes, sob o influxo de sua consciência e de uma opinião
pública presa nos limites dessa consciência. Por exemplo, quando um cliente se
queixa de seus pais, das circunstâncias de sua vida ou de seu destino, e quando
um ajudante se associa à visão desse cliente, ele serve mais ao conflito e à
separação do que à reconciliação. Portanto, alguém só pode ajudar, no sentido
da reconciliação, quando imediatamente dá um lugar em sua alma à pessoa de quem
o cliente se queixa. Assim, o ajudante antecipa na própria alma o que o cliente
ainda precisa realizar na sua.
A quinta ordem
da ajuda é portanto o amor a cada pessoa como ela é, por mais que ela seja diferente
de mim. Dessa maneira, o ajudante abre a essa pessoa o seu coração, de modo que
ela se torna parte dele. Aquilo que se reconciliou em seu coração também pode
reconciliar-se no sistema do cliente. A desordem da ajuda seria aqui o
julgamento sobre outros, que geralmente é uma condenação, e a indignação moral
associada a isso. Quem realmente ajuda, não julga.
A PERCEPÇÃO ESPECIAL
Para poder
agir de acordo com as ordens da ajuda, não é preciso qualquer percepção
especial. O que eu disse aqui sobre as ordens da ajuda não deve ser aplicado de
forma precisa e metódica. Quem tentar isso estará pensando, ao invés de
perceber. Ele reflete e recorre a experiências anteriores, em vez de se expor á
situação como um todo e apreender dela o essencial. Por isso, essa percepção
envolve ambos os aspectos: ela é simultaneamente direcionada e reservada. Nessa
percepção, eu me direciono a uma pessoa, porém sem querer algo determinado, a
não ser percebê-la interiormente, de uma forma abrangente, e com vistas ao
próximo ato que se fizer necessário.
Essa percepção
surge do centramento. Nela, eu abandono o nível das ponderações, dos
propósitos, das distinções e dos medos, e me abro para algo que me move
imediatamente, a partir do interior. Aquele que, como representante numa
constelação, já se entregou aos movimentos da alma e foi dirigido e impelido
por eles de uma forma totalmente surpreendente, sabe de que estou falando. Ele
percebe algo que, para além de suas ideias habituais, o torna capaz de ter
movimentos precisos, imagens internas, vozes interiores e sensações inabituais.
Esses
movimentos o dirigem, por assim dizer, de fora, e simultaneamente de dentro.
Perceber e agir acontecem aqui em conjunto. Essa percepção é, portanto, menos
receptiva e reprodutiva. Ela é produtiva; leva à ação, e se amplia e aprofunda
no agir.
A ajuda que
decorre dessa percepção é geralmente de curta duração. Ela fica no essencial,
mostra o próximo passo a fazer, retira-se rapidamente e despede o outro
imediatamente em sua liberdade. É uma ajuda de passagem. Há um encontro, uma
indicação, e cada um volta a trilhar o próprio caminho. Essa percepção
reconhece quando a ajuda é conveniente e quando seria antes danosa. Reconhece
quando a ajuda coloca tutela ao invés de promover, e quando serve para remediar
antes a própria necessidade do que a do outro. E ela é modesta.
OBSERVAÇÃO, PERCEPÇÃO, COMPREENSÃO,
INTUIÇÃO, SINTONIA
Talvez seja
útil descrever aqui ainda as diferentes formas de conhecimento, para que,
quando ajudamos, possamos recorrer ao maior número delas que for possível, e
escolher entre elas. Começo pela observação.
A observação é
aguda e precisa, e tem em vista os detalhes. Como é tão exata, é também
limitada. Escapa-lhe o entorno, tanto o mais próximo quando o mais distante.
Pelo fato de ser tão exata, ela é próxima, incisiva, invasiva e, de certa
maneira, impiedosa e agressiva. Ela é condição para a ciência exata e para a
técnica moderna decorrente dela.
A percepção é
distanciada. Ela precisa da distância. Ela percebe simultaneamente várias
coisas, olha em conjunto, ganha uma impressão do todo, vê os detalhes em seu
entorno e em seu lugar. Contudo, é imprecisa no que toca aos detalhes. Este é
um dos lados da percepção. O outro lado é que ela entende o observado e o
percebido. Ela entende o significado de uma coisa ou de um processo observação
e percebido. Ela vê, por assim dizer, por trás do observado e do percebido,
entende o seu sentido. Acrescenta, portanto, à observação e à percepção externa
uma compreensão.
A compreensão
pressupõe observação e percepção. Sem observação e percepção, também não existe
compreensão. E vice-versa: sem compreensão, o observado e percebido permanece
sem relação. Observação, percepção e compreensão compõem um todo. Somente
quando atuam em conjunto é que percebemos de uma forma que nos permite agir de
forma significativa e, principalmente, também ajudar de uma forma
significativa.
Na execução e
na ação, freqüentemente aparece ainda um quarto elemento: a intuição. Ela tem
afinidade com a compreensão, assemelha-se a ela, mas não é a mesma coisa. A
intuição é a compreensão súbita do próximo passo a dar. A compreensão é muitas
vezes geral, entende todo o contexto e todo o processo. A intuição, em
contraposição, reconhece o próximo passo e, por isso, é exata. Portanto, a
relação entre a intuição e a compreensão é semelhante à relação entre a
observação e a percepção.
Sintonia é uma
percepção a partir do interior, num sentido amplo. Como a intuição, ela também
se direciona para a ação, principalmente para a ação de ajuda. A sintonia exige
que eu entre na mesma vibração do outro, alcance a mesma faixa de onda,
sintonize com ele e o entenda assim. Para entendê-lo, também preciso ficar em
sintonia com sua origem, principalmente com seus pais, mas também com seu
destino, suas possibilidades, seus limites, e também com as conseqüências de
seu comportamento e de sua culpa; e, finalmente, com sua morte.
Ficando em
sintonia, eu me despeço, portanto, de minhas intenções, de meu juízo, de meu
superego e de suas exigências sobre o que eu devo e preciso ser. Isso quer
dizer: fico em sintonia comigo mesmo, da mesma forma que com o outro. Dessa
maneira, o outro também pode ficar em sintonia comigo, sem se perder, sem
precisar temer-me. Da mesma forma, também posso ficar em sintonia com ele
permanecendo em mim mesmo. Não me entrego a ele, mas mantenho distancia na
sintonia. Com isso, ao ajudá-lo, posso perceber exatamente o que posso fazer e
o que tenho o direito de fazer. Por esta razão, a sintonia é também passageira.
Ela dura apenas enquanto dura a ação da ajuda. Depois, cada um volta à sua
própria vibração. Por esta razão, não existe na sintonia transferencia nem
contratransferência, nem a chamada relação terapêutica. Portanto, um não assume
a responsabilidade pelo outro. Cada um permanece livre do outro.
SOBRE O MOVIMENTO INTERROMPIDO
Quando uma
criança pequena não teve acesso à mãe ou ao pai, embora precisasse deles com
urgência e ansiasse por eles, por exemplo, numa longa internação hospitalar,
esse anseio se transforma em dor de perda, em desespero e raiva. A partir daí,
a criança se retrai diante de seus pais e, mais tarde, também de outras
pessoas, embora anseie por eles. Essas conseqüências de um movimento amoroso
precocemente interrompido são superadas quando o movimento original é retomado
e levado a seu termo. Nesse processo, o ajudante representa a mãe ou o pai
daquele tempo, e o cliente pode completar o movimento interrompido, como a
criança de então.